Beatriz Dornelles
A reconstituição da imprensa gaúcha no desenvolvimento do jornalismo no Rio Grande do Sul entre 1827, ano em que surgiu o primeiro jornal no Estado - O Diário de Porto Alegre - e os anos 80, década em que se inicia o desenvolvimento tecnológico da imprensa do Interior, foi relativamente bem explorada por historiadores e jornalistas gaúchos.
A bibliografia referente à imprensa do Rio Grande Sul – mais especificamente das décadas de 70, 80 e primeira metade dos anos 90 - é bastante fragmentada, com poucas contribuições de pesquisadores acadêmicos (praticamente todos da UFRGS, exceto um ou outro autor) e muitas produzidas por veteranos jornalistas que buscam registrar suas observações sobre processos que vivenciaram pessoalmente ou testemunharam através de depoimentos de terceiros e por historiadores, que registram basicamente a morfologia dos jornais (dados gerais). São poucas as fontes resultantes de pesquisas documentais.
A origem da imprensa gaúcha encontra raízes no processo político que resultou na Revolução Farroupilha. O primeiro jornal surgiu em 1827, sob o nome O Diário de Porto Alegre, patrocinado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Salvador José Maciel. Nos oito anos que se seguiram ao aparecimento do Diário de Porto Alegre foram lançados 32 jornais, de pequeno formato (28 cm x 18 cm) e tiragens que ficavam em torno de 400 exemplares cada um.
As cidades do Interior pioneiras no surgimento da imprensa são Rio Grande e Pelotas. A periodicidade das publicações dessa época era bissemanária ou trissemanária, sendo poucos os diários. Há registros sobre a existência de 12 diários entre 1850 e 1875, mas com pouca duração. A venda era feita só por assinaturas ou diretamente no escritório da tipografia. A função dos jornais, naquela época, era totalmente política. Os textos eram doutrinários.
Após a Guerra Civil de 1835, ocorre a estagnação da atividade jornalística porque não passava de um meio para divulgação ideológica. As tipografias passam a publicar seus próprios jornais, mas dependendo economicamente do Estado, que controlava a publicidade e a formação da opinião pública, através dos chamados “auxílios” e “subsídios”.
Os jornalistas da época, em geral, eram os donos das tipografias. Eram artesãos especializados que decidiram montar seus próprios negócios. Na época, não tinham um conceito preciso de jornalismo, por isso suas atividades restringiam-se à direção dos periódicos, onde se confundiam as práticas editoriais com prestação de serviços gráficos. A redação, como hoje entendemos, não existia, e os jornais serviam basicamente para veiculação de literatura política.
A tecnologia dos periódicos era primitiva. Os jornais eram editados em velhos prelos de madeira, movidos manualmente, com material tipográfico de segunda mão, adquiridos, na maioria das vezes, no Rio de Janeiro.
Essa mesma imprensa surge na cidade de Pelotas, interior do Rio Grande do Sul, em 1851, através de Cândido Augusto de Mello, que criou O Pelotense. Posteriormente, o mesmo tipógrafo publicou jornais no município de Jaguarão. Em 1861 a imprensa surge em Bagé, fronteira-oeste, com o lançamento de A Aurora e O Bageense.
A partir de 1850, surgem diversos pasquins no Rio Grande do Sul, que se caracterizam pela falta de responsabilidade com os conceitos externados e excessos de linguagem. Os pasquineiros fizeram história e tornaram-se célebres pelos ataques morais e os abusos de linguagem, que criavam desavenças na comunidade e irritavam as autoridades, o que os tornou conhecidos no jornalismo gaúcho.
No mesmo período de expansão dos pasquins surge o jornalismo político-partidário gaúcho. Grande quantidade de tipógrafos assumem cargos políticos e a força de um jornal se estabelece como forma de ascensão política.
Os partidos lançam publicações e surgem as redações propriamente ditas. Neste período aumenta o número de publicações. A tiragem sobe de 400 exemplares, em 1830, para 2.000 no ano de 1900. O formato muda de 28cm x 18cm (menor que uma folha de ofício) para standard, e a fabricação perde o caráter artesanal para passar à manufatura, baseado na tecnologia da máquina a vapor.
A distribuição melhora em conseqüência do progresso dos serviços de correio e das estradas. Os leitores continuam, porém, sendo poucos em função do analfabetismo e do baixo poder aquisitivo, além da vigência do sistema escravagista até 1888. A montagem de uma tipografia e o lançamento de um periódico não era difícil, mas o custo de manutenção das publicações era relativamente alto, em decorrência dos preços do papel, matéria-prima importada, mão-de-obra composta por trabalhadores assalariados e especializados e o porte de circulação.
Apesar do progresso técnico apresentado, os jornais continuavam sendo usados para doutrinação da opinião pública, constituindo-se num prolongamento da tribuna parlamentar e meios de articulação partidária do movimento da sociedade civil, e não visavam lucro.
Estudo realizado em torno da participação da imprensa na campanha abolicionista revelam essa realidade. Estiveram na vanguarda do movimento, entre tantos jornais da época, A Voz do Escravo, de Pelotas, e a Gazeta de Alegrete, fundada em 1882, que, junto com outros, criou um clube de emancipação, levantando fundos e movendo campanhas de alforria, através de suas colunas. Este é o mais antigo jornal em circulação hoje, no Rio Grande do Sul.
Em 1869, ocorre no Estado novo marco do jornalismo político-partidário, com o lançamento do jornal A Reforma, órgão do Partido Liberal. O principal diretor desta folha era Silveira Martins, líder do Partido Liberal, que chegou a imprimir 20 mil exemplares em uma das edições, distribuídos gratuitamente por todo o Estado.
Após o surgimento de A Reforma, surgiram dezenas de folhas político-partidárias, destacando-se no Interior O Conservador, publicada pelo partido do mesmo nome, que sustentou a doutrina da agremiação de 1879 até a Proclamação da República. O Diário de Pelotas (1867-89) desempenhou papel de liderança entre os liberais da zona sul do Estado. O Diário do Rio Grande (1848-1911) e O Echo do Sul (1856-1937), da mesma cidade, tiveram significativa participação oposicionista durante a República Velha.
O Partido Republicano foi responsável pelo lançamento de diversos jornais importantes durante essa época, estando, entre eles, O Diário Popular, de Pelotas, que circula até hoje. Ele compõe a amostra utilizada neste trabalho, ajudando a revelar como se encontrava a imprensa interiorana no final do século 20.
Após a Proclamação da República, aumenta a violência política através do jornal, objetivando calar a voz da oposição, período difícil para o exercício do jornalismo. Pratica-se censura policial direta nas redações, ocorrendo a prisão de diversos jornalistas e o fechamento de várias folhas na capital e no Interior.
Esta situação perdurou até a década de 30, época do Estado Novo, quando também desaparece o jornalismo político-partidário. O último grande jornal do gênero a ser lançado no Rio Grande do Sul foi O Estado do Rio Grande, em 1929, órgão do Partido Libertador, que sucedeu ao Partido Federalista, fechado em 1932 pelo Estado Novo, que aboliu oficialmente os partidos políticos e decretou o fechamento de diversos jornais.
As folhas sobreviventes adaptam-se aos novos tempos e mudam a linha editorial. Passam simplesmente a informar os fatos ou adotam uma postura oficialesca. O jornalismo noticioso gaúcho, que se inicia na segunda metade do século 19, entra em ascensão, no Estado, com o Correio do Povo, fundado em 1895.
Surge, paralelamente, o jornalismo literário independente, como alternativa ao jornalismo político-partidário. Estes dois novos estilos de jornalismo rompem, aos poucos, com as doutrinas partidárias e especializam-se na difusão de notícias e na discussão de assuntos da atualidade sem compromisso doutrinário.
O apogeu do jornalismo literário-noticioso aconteceu entre 1890 e 1920, época em que se multiplicaram os jornais comprometidos com o modelo noticioso no Rio Grande do Sul. Nesse período, muitos tipógrafos transformaram-se em pequenos empresários.
A época artesanal já havia sido superada e a imprensa baseava-se na máquina a vapor. Houve renovação na circulação, com o aumento da venda avulsa e distribuição dos jornais no Interior, através da rede ferroviária. Ocorreu, ainda, a modernização do parque gráfico, o que permitiu o aumento das tiragens e do número de páginas dos jornais, que pula de quatro (tradicional no século passado) para 12 nos primeiros anos do século.
A paginação tornou-se mais leve, com melhor distribuição das matérias, as cores passam a ser usadas nos títulos, em assuntos de destaque e nas ilustrações, substituídas pelas fotografias a partir de 1910.
Conforme os registros históricos, o processo de organização do novo grupo de jornalistas segue os passos de sua própria consolidação como categoria social. Em 1889, com o propósito de evitar, entre colegas, agressões pessoais que abalam a imprensa, surge a Associação dos Jornalistas de Pelotas. Dez anos depois, com proposta semelhante, é fundado o Grêmio dos Jornalistas de Rio Grande.
Nos anos 10, surge o primeiro projeto de agrupar os jornalistas de todo o Estado com o Círculo da Imprensa, que funcionou em Porto Alegre, de 1911 a 1914. Porém, o esforço mais significativo para congregar e organizar a classe ficou registrado com a fundação da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), em 1920. Realizou relevantes serviços à categoria, mas anos depois a entidade se dissolveu.
Nesse período, a notícia, como entendemos hoje, surge no jornalismo, substituindo as matérias de cunho literário, que se baseavam em comentários pessoais, e toma conta das páginas dos jornais, inclusive do noticiário político.
Na mesma época, os jornais passam a contar com serviços noticiosos provindos das agências internacionais. Na década de 10, os principais jornais do Estado fecharam acordos com as agências Havas, Americana e Transocean.
Apesar da tentativa de se tornarem independentes, noticiosos e imparciais, os jornais do início do século não conseguiram se desvencilhar dos partidos políticos e continuavam sustentando a campanha deste ou daquele político. A independência dos jornais dependia de fontes de financiamento e, na época, elas eram muito limitadas. Tanto que, conforme dados do Anuário do Rio Grande do Sul de 1885, do Departamento Nacional de Estatística, 80% dos jornais gaúchos apresentavam tiragem de até 5 mil exemplares em 1930; de 5 mil a 10 mil, 12%, e de 10 mil a 30 mil, 8%. Portanto, sem independência econômica, não havia condições de se conquistar a independência editorial, especialmente na área política, e, principalmente, porque os jornais não estavam estruturados como empresas jornalísticas. Somente quando os periódicos tornam-se empresas jornalísticas é que o jornalismo noticioso realmente firma-se na imprensa gaúcha.
O primeiro jornal a implantar o jornalismo noticioso foi o Correio do Povo, fundado em 1895 por Caldas Júnior. Caldas era sergipano e veio para o Rio Grande do Sul ainda criança. Trabalhou como redator-chefe do Jornal do Comércio e, depois de juntar um pequeno capital, montou seu próprio jornal.
A época era favorável a um jornal sem comprometimento político. E o Correio do Povo, além de adotar esta linha, assumiu uma postura empresarial que lhe garantiu o sucesso, investindo na tecnologia e na administração do jornal.
Em 1910, Caldas Júnior montou a primeira impressora rotativa no Estado e, nos anos seguintes, as quatro primeiras linotipos, elevando a tiragem de mil exemplares para 10 mil. Em 1920, a tiragem foi para 20 mil exemplares, configurando, conforme valores da época, o chamado “monopólio da imprensa”.
Para fazer frente ao Correio do Povo, em 1925 surge o Diário de Notícias, tornando-se o segundo maior jornal do Estado. Introduziu um jornalismo moderno, apoiado em campanhas de opinião pública. O forte desse jornal também era o departamento comercial, que levantava grandes volumes de anúncios. Em 1930, o Diário tinha uma tiragem diária de 25 mil exemplares.
Breno Caldas faz uma outra revolução na imprensa gaúcha, em 1936, quando lança a Folha da Tarde, um vespertino, formato tablóide, que conquistou os leitores gaúchos até os dias atuais.
Em 1936, também foi reconstruída a Associação Riograndense (sic) de Imprensa, tendo como presidente o jornalista Erico Verissimo. A entidade ressurge lutando pelo novo estatuto do jornalista na sociedade e a criação do Sindicato dos Jornalistas, o que aconteceu em 1942.
A partir de 1930 o Brasil vive uma nova fase, a da industrialização, que fomenta o desenvolvimento das empresas jornalísticas, aumentando o público leitor e viabilizando a publicidade, que progressivamente passa a ser a principal fonte de financiamento do jornalismo.
A mudança verificada no jornalismo, entretanto, não significou, na época, a neutralidade e imparcialidade dos jornais em relação aos seus candidatos políticos. O que aconteceu foi apenas a omissão explícita desse interesse. Os donos de jornais continuaram defendendo determinados nomes, mas negando publicamente que estariam sendo parciais.
Além da dissimulação da grande imprensa, o desenvolvimento do jornalismo provocou, também, a decadência da imprensa interiorana no final dos anos 50 e início dos anos 60, bem como o monopólio da imprensa da capital, especialmente em termos de distribuição de verba publicitária.
A falta de sustentação econômica no Interior, nos anos 60, não permitiu que grande parte dos jornais se transformassem em empresa jornalística, conforme RÜDIGER (1993). Entre 1970 e 1973, os diretores da Associação dos Jornais do Interior do Rio Grande do Sul (Adjori), fundada em 1963, fizeram intensiva campanha junto aos sócios. Exigiram deles o Alvará da Prefeitura, o registro do jornal no Livro Especial em Cartório, o registro jurídico da empresa na Junta Comercial e o registro do nome e marca do jornal no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Nesse período, praticamente todos os sócios da ADJORI (207 no total) passaram a constituir empresas jornalísticas, tendo por objetivo a produção, edição e comercialização de jornais. As menores, em forma de empresa individual, e as médias e grandes, como sociedade limitada, composta por dois ou mais sócios.
Posteriormente, com a aprovação da Lei das Microempresas, ao longo da década de 90 os jornais semanários (com receitas inferiores a R$ 20 mil mensais), transformaram suas empresas em microempresas, sendo favorecidos pelo reduzido índice de pagamento dos impostos.
É somente nos anos 70 que a imprensa gaúcha interiorana adota o jornalismo informativo como método de produção dos periódicos, abandonando o jornalismo de opinião e o colunismo. Um grande número de proprietários de jornais do Interior procura as universidades para cursarem as Faculdades de Jornalismo do Rio Grande do Sul. Paralelamente, máquinas offset de impressão são instaladas em cidades de grande e médio porte do Estado, como, por exemplo, Caxias do Sul, Novo Hamburgo, Pelotas, Venâncio Aires, Santo Ângelo, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Sarandi, Passo Fundo, entre outras .
Nos anos 90, novamente os jornais gaúchos passam por uma revolução. Todas as redações, pequenas, médias e grandes, substituem as máquinas de escrever por computadores e a diagramação passa a ser feita eletronicamente, exceto o jornal O Taquaryense, que até hoje continua sendo impresso em linotipia e produzido em máquinas de escrever manual .
A atualização de inventários e resenhas sobre o Jornalismo foi feita em dezembro de 1990, pelo bolsista de iniciação científica de Jornalismo da Famecos/PUCRS, Manuel Luís Petrik Pereira, em parceria com o pesquisador Jacques Wainberg, da Pós-Graduação da mesma faculdade. O estudo rastreou obras de 1983 a 1997, tendo encontrado 186 livros publicados em 14 anos.
Segundo os pesquisadores, nos livros predominam os estudos históricos, seguidos de Ensino do Jornalismo e Teoria do Jornalismo. Surpreendente foi a constatação de forte presença de estudos relativos ao jornalismo alternativo, ao jornalismo político e ao tratamento dos dilemas éticos da profissão. Demais categorias ocupam papel secundário na produção bibliográfica. Cabe assinalar que o número de instituições com programas de pós-graduação em comunicação aumentou muito na década de 90 e tende a crescer ainda mais no futuro. Essa realidade é relevante considerando o fato de que são tais programas os principais fomentadores de pesquisas relativas ao jornalismo.
Tal realidade é responsável pela edição de cerca de 180 livros em 10 anos, período que vi da segunda metade dos anos 90 aos primeiros cinco anos do século 21, produzidos especialmente por pesquisadores e professores das Pós-Graduações e das Faculdades em Comunicação da UFRGS, Ulbra, Unisinos e PUCRS, além de novos historiadores da área.
Os temas mais recorrentes são praticamente os mesmos levantados por Wainberg, quais sejam: História do Jornalismo, Ensino do Jornalismo, Teoria do Jornalismo, Memória, Jornalismo Alternativo, Ética do Jornalismo, Jornalismo Organizacional, Jornalismo e Política, Jornalismo Internacional, Linguagem e Tecnologia do Jornalismo, Jornalismo e Empresas de Comunicação, Direito da Comunicação, Jornalismo e Ciência, Jornalismo e Economia, Jornalismo do Interior, Comunicação Comunitária, entre outros de menor expressão.