terça-feira, 18 de setembro de 2007

Critérios de noticiabilidade distorcem a realidade de bairros que recebem cobertura da imprensa diária

Artigo publicado na Revista Famecos (PUCRS)


Dra. Beatriz Dornelles (PUCRS)
Sandra Modena (PUCRS)

RESUMO

Este trabalho trata das representações possíveis por parte dos cidadãos em relação a um determinado bairro, no qual residem, formadas a partir da leitura de um jornal popular diário, o Diário Gaúcho, e pela leitura de um jornal de bairro, que conta com a participação dos moradores da mesma localidade, o Noticiário. A metodologia parte da Teoria da Representação Social (MOSCOVICI), tendo como técnicas de análise de conteúdo a pesquisa quantitativa e qualitativa, entrevistas, objetivando o levantamento da realidade do local a partir da leitura das edições do Diário Gaúcho de 10 a 17 de janeiro, fevereiro, março e abril de 2006 e as edições de janeiro, fevereiro e abril do jornal de bairro mensal - O Noticiário.

Palavras-chave:
Jornal de bairro - Diário Gaúcho - Notícia



A partir de um estudo de caso, tendo como objetos um jornal diário dirigido para as camadas populares de Porto Alegre e um jornal comunitário de bairro, da mesma cidade, analisamos os critérios de noticiabilidade dos periódicos, e verificamos como eles contribuem para a formação de opinião do bairro Restinga, um dos maiores de Porto Alegre. Os jornais selecionados foram o Diário Gaúcho, de propriedade da Rede Brasil Sul de Comunicação (RBS), e O Noticiário, jornal de bairro comunitário que circula na Restinga. Nosso objetivo é analisar a imagem construída pelo Diário Gaúcho e O Noticiário, com relação ao local, verificando como o bairro figura nas páginas dos jornais selecionados.
A amostra utilizada contém edições do Diário Gaúcho de 10 a 17 de janeiro, fevereiro, março e abril de 2006 e as edições de janeiro, fevereiro e abril do jornal de bairro mensal - O Noticiário. A edição de março não foi incluída porque não circulou.
As entrevistas foram feitas com diretores e/ou editores-chefes de ambos os jornais e com um grupo de moradores do bairro, escolhidos aleatoriamente. No Diário Gaúcho foram objeto de análise as notícias e as reportagens que tratam de assuntos sobre a Restinga. No jornal O Noticiário, a análise ficou restrita aos acontecimentos do bairro. Desconsideramos notícias de outros bairros, relises da Prefeitura Municipal e colunas escritas por profissionais liberais do bairro, com enfoque publicístico.

Denominações e preconceitos
Até final dos anos 80, o bairro Restinga possuía diversas denominações: Vila Restinga Velha, Vila Nova Restinga, Restinga Nova. Sempre existiram contrastes entre a Velha e a Nova, originando, inclusive, discriminações entre os habitantes de uma e de outra que persistem até os dias atuais. A Restinga é o terceiro bairro mais populoso da Capital e carrega o estigma de violência. É mais extenso do que muitos municípios gaúchos. O transporte coletivo é insuficiente para atender a grande demanda de moradores do bairro.
O gerente distrital da Gerência de Saúde da Restinga/Extremo Sul, Thiago Pereira Duarte , informa que o bairro tem como característica marcante ser “uniformemente pobre e ter a taxa de natalidade crescente: 2,5% - mais do que o dobro da média de Porto Alegre que é de 1,2%”. Conforme pesquisa do IBGE, dos 77 bairros de Porto Alegre, a Restinga ocupa a 72ª posição em renda mensal do responsável pelo domicílio (MARIANO, 2006, p. 5).
Informações do mesmo ano mostraram que o tempo de estudo desses indivíduos ficava em torno de 6 anos e o percentual de analfabetismo é de 6%. Em cada domicílio, a média de moradores era de 3,6 pessoas. A publicação Memória dos bairros, organizada pela Prefeitura Municipal, datada de 1990, informa que, naquela época, a população da Restinga era de 150 mil habitantes. O jornal Diário Gaúcho (16/02/2006, p. 24), usando como fonte o DEMHAB, apresentou outro número: 130 mil habitantes. De qualquer forma, é um dos bairros mais populosos da Capital.
A tabela 1 permite comparar as ocorrências na área da Restinga e de Porto Alegre (capital) no período de 1º janeiro de 2006 a 31 de março de 2006:

Tabela 1 - OCORRÊNCIAS REGISTRADAS PELO 21ª BPM
Entre 1º de janeiro de 2006 a 31 de março de 2006
FATOS TOTAL DA CIDADE RESTINGA PORCENTAGEM %
Vias de fato (brigas) 1238 196 15,8
Ameaça 639 94 14,7
Perturbação da tranqüilidade ( barulho) 309 91 29,4
Perturbar alguém, o trabalho, sossego alheio (barulho à noite) 241 66 27,3
Embriaguez 78 11 14,1
Dano (prejuízos materiais) 522 53 10,1
Falso alarma ( trotes) 275 4 1,4
Lesão corporal (ferir alguém) 844 113 13,3
Furto qualificado (inclui arrombamentos e “gato” de água/luz) 1852 106 5,7
Furto (roubar /descuido/surrupiar) 1131 55 4,8
Roubo (mediante grave ameaça/assalto) 2189 39 1,7
Homicídio (matar alguém) 53 10 18,8
Violação de domicilio (invasão de residência habitada) 32 6 18,7
Seqüestro e cárcere privado (inclusive “seqüestros relâmpagos” e idosos ou doentes) 55 8 14,5
Desacato (ofensas a funcionário na sua função) 42 7 16,6
Posse de Entorpecentes (portar/consumir drogas) 286 15 5,2
Porte ilegal de arma – crime (armas recuperadas) 95 7 7,3
Captura de fugitivo (foragido do sistema presídio) 90 54 60,0
Lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (atropelamento) 662 51 7,7
TOTAL 10.633 986 9,2
Fonte: Banco de dados da Brigada Militar (Análise Sgt Moacir/21ºBPM). Mensagem eletrônica enviada para o e-mail de Sandra Modena em 5 de mai 2006.


Jornais de Bairro em Porto Alegre
Para a realidade porto-alegrense, o termo “jornalismo comunitário” está diretametne associado a “jornalismo de bairro” ou “jornalismo local”. Ele representa atividades, valores e aspirações presentes na comunidade, que não são expressas na imprensa diária. Ele fornece um fluxo de notícias específicas sobre o bairro, num contexto significativo e afetivo, relatando, ainda, os acontecimentos externos que são importantes para a comunidade alvo. Caracteriza-se, também, por possuir distribuição gratuita e possuir periodicidade mensal. Não é comum a venda avulsa.
No Brasil, praticamente inexiste a imprensa comunitária, nos termos estabelecidos academicamente. Na prática, a maioria constitui um negócio que visa lucro, e, para tanto, utiliza-se das questões da comunidade como foco principal da cobertura jornalística porque isto garante número de leitores e, por conseguinte, de anunciantes. Mas existem alguns jornais de bairro que são comunitários em todos os aspectos. É o caso, por exemplo, do jornal Fala Sério, já no seu segundo ano, feito pelos moradores do Morro da Cruz e pelos integrantes do Centro de Produção de Eventos e o Nós na Fita, que também pertence aos moradores do Morro da Cruz (um dos mais perigosos da cidade em termos de tráfico de drogas e outros crimes).
A indefinição da receita mensal e o conseqüente comprometimento dos recursos financeiros fazem com que a distribuição dos jornais de bairro não seja realizada de maneira adequada. Eles são expostos basicamente em pontos comerciais, o que prejudica o maior envolvimento e participação dos leitores na política editorial. Com tantas peculiaridades, os jornais de bairro exercem uma função específica como porta-vozes do núcleo comunitário a que se destinam. Atuando e defendendo a região, desenvolve um potencial de grande importância na mobilização dos moradores em torno de questões locais. Auxilia na fiscalização e manutenção da região enquanto núcleo de determinada classe sócio-econômica.
O bairro também é “notícia” através de matérias que narram episódios de sua história. Mantendo e mostrando as tradições locais, o jornal de bairro pode contribuir para uma construtiva identidade local, além de unir a comunidade para a conquista de um determinado objetivo. Também pode servir de instrumento de valorização da auto-estima dos habitantes dos bairros humildes, combatendo estereótipos pejorativos, como de violência e pobreza.

Jornal de bairro “O NOTICIÁRIO”
Os moradores da Restinga entendem que merecem ser notícia em outras seções dos jornais que não a policial (grifo nosso). A recorrente exposição de episódios que depõem contra a imagem do bairro constrói a representação social da Restinga na mente dos indivíduos residentes em outros pontos de Porto Alegre e do interior do Estado. O Noticiário circula mensalmente há quatro anos no bairro. Costuma mencionar, no seu editorial, a importância de um veículo comunitário no sentido de resgatar a imagem da Restinga.
O diretor d’O Noticiário, Fabio Henrique dos Santos, afirma na edição de abril de 2005 que é importante para a comunidade a existência de um jornal forte. “Este é o nosso objetivo. Iremos lutar sempre por esse povo e queremos ser a voz de cada um quando clamarem pelos seus direitos e desfazer o que foi semeado nesse lugar quando dizem ser um bairro perigoso, o que todos nós sabemos que não é verdade”. (SANTOS, abr. 2005, p. 2).
O Noticiário foi fundado em 29 de agosto de 2003 pelos moradores Carlos José Oliveira, fotógrafo amador e Fabio Henrique dos Santos, comerciante. Idealizado pelo primeiro, surgiu a partir da publicação de um guia comercial organizado pelo segundo. Constavam, além de publicidade do comércio dos patrocinadores, dicas de beleza, saúde e horários das linhas de ônibus que atendem ao bairro. O Noticiário começou a circular em agosto de 2003. Além dos colaboradores, outros colunistas, advogados, conselheiros tutelares, farmacêutico, veterinário, moradores e comerciantes do bairro escrevem com regularidade. O Noticiário tem ainda um diagramador, que também faz a criação e a finalização do jornal, além de um responsável pela cobrança. A linguagem utilizada é bastante simples.
O tablóide circula com 12 páginas, quatro cores (na capa, contra-capa e página central). A tiragem é de cinco mil exemplares (o que é muito pouco, tendo como referência os 150 mil moradores do bairro), sendo distribuída gratuitamente à comunidade. O jornal tem cerca de 20 anunciantes fixos e 15 eventuais. Há um equilíbrio entre receita e despesa que são de baixos valores, indicando a dificuldade para se viabilizar o jornal do bairro. A receita do jornal está em torno de R$ 2.100,00 e a despesa em R$ 1.716,00 . A sala ocupada pela redação do impresso pertence à Associação dos Moradores da Vila Restinga (AMOVIR), que também disponibiliza o carro para a distribuição do jornal.
A comunidade participa sugerindo pautas. E se queixa quando não encontra o jornal nos pontos de distribuição . Os fatos violentos não são divulgados. O diretor explica que está procurando a melhor forma de divulgar o setor de Polícia, sem que os produtores do jornal corram risco de vida.
Além das matérias policiais, também está na preferência do leitor o “denuncismo”. O periódico dá destaque a fatos que envolvem confusão.
Denúncia é o que eles [leitores] mais gostam. No início o jornal era muito ‘light’. Quando nós começamos a mudar [o estilo do jornal], eu percebi que a repercussão aumentou. O corre-corre atrás do jornal foi maior. Tinha pessoas que iam até o escritório buscar ou alguma associação que pedia para distribuir. Aí eu mudei a tática, comecei a buscar mais confusão, mais rolo, porque vi que o jornal ia funcionar melhor. (Ibid.)

O jornal Diário Gaúcho
O Diário Gaúcho pertence à Rede Brasil Sul – RBS. O compromisso da empresa gaúcha de comunicação é “a percepção e expressão dos sentimentos e necessidades da comunidade onde atua”, divulgando e promovendo a produção de conteúdos culturais artísticos, educativos e informativos, conforme consta no site da empresa. Apesar da forte estrutura do conglomerado, a RBS não vacilou em tentar conquistar mais audiência. Havia uma expressiva parcela de indivíduos potencialmente leitores que não tinham o hábito da leitura jornalística, cerca de 50% da população de Porto Alegre.
De acordo com o primeiro editor-chefe do Diário Gaúcho, Cyro Silveira Martins Filho (2002), uma pesquisa verificou o que faltava nos impressos tradicionais para atrair esses sujeitos, A partir de então, foi criado um “produto adequado para esse público”, com um valor acessível e que agregasse promoções para estimular essas pessoas a “experimentar o jornal” e se tornarem leitores (idem, 2002).
Assim, em 17 de abril de 2000, foi lançado o Diário Gaúcho, um fenômeno editorial, como contabiliza o atual editor-chefe do veículo, Alexandre Bach :
Os dados do IVC [Índice Verificador de Circulação], última pesquisa [da empresa Estudos] MARPLAN / Instituto de São Paulo, que mede esse índice, mostram que hoje o DG está com um milhão, cento e sessenta e cinco mil leitores. [...]. Isso significa 61% dos leitores da região metropolitana, de cada dez leitores, seis lêem o Diário Gaúcho.
[...] o nosso IVC fechou o ano de 2005 com uma média de 152 mil jornais dia/vendido.Em nossos piores momentos, vendemos 110 mil jornais por dia. Já chegamos a vender [...] 230 mil em um dia (2006).

O jornal circula de segunda a sábado, sendo vendido por R$ 0,60. O impresso tem formato tablóide, quatro cores (predominantemente a verde, característica do jornal). O número de páginas varia entre 24 a 32, de acordo com a centimetragem de anúncios. Bach explica que, quando há classificados, o “Classidiário”, que circula nas edições de quartas, sextas e sábados, fica em torno de 40 a 44, tendo alcançado até 52 páginas (2006). Além do esporte, outras três seções são preferidas pelos leitores: polícia, entretenimento e serviço.
Martins Filho (2002) conta que, de acordo com uma pesquisa realizada pela empresa Estudos MARPLAN, Porto Alegre alcançou o índice de aproximadamente 80% de leitores de jornal após o lançamento do DG. Antes, a capital com maior número era o Rio de Janeiro, com 65%. “Com a entrada do Diário Gaúcho, a região da grande Porto Alegre foi ‘catapultada’ [...] no índice de leitura. É a região, no Brasil, onde mais se lê jornal [...] isso é um dado histórico”.
A editoria de Polícia e as muitas fotografias de mulheres seminuas ou quase na capa e nas páginas internas provocam debates polêmicos, que questionam a qualidade editorial do impresso. Trabalham no DG 40 jornalistas. Martins Filho (2002) conta que há uma grande participação dos leitores por telefone, seja para opinar ou sugerir reportagem (BACH, 2006). Destinado às classes populares, o DG é bastante lido no bairro Restinga. Não raro, os acontecimentos da localidade são veiculados no jornal, muitos na seção policial.

A Restinga divulgada por O Noticiário e pelo Diário Gaúcho
Com uma análise das amostras de três edições do jornal mensal de bairro O Noticiário e de 32 exemplares do jornal Diário Gaúcho identificamos as expressões usadas nas referências à Restinga e quais os critérios de noticiabilidade utilizados pelos newsmakers. No primeiro periódico, a análise ficou restrita aos acontecimentos do bairro, especialmente as noticiadas na capa, através de manchetes.
Com relação ao Diário Gaúcho, foi objeto de estudo todas as notícias e/ou reportagens, além das legendas das fotografias que mencionem a Restinga, mesmo que o foco principal do texto não fosse o bairro. Tabulamos todas as edições que foram objeto de análise em ambos os jornais e selecionamos as palavras e/ou expressões que poderiam adjetivar, caracterizar ou representar o bairro e seus moradores. As edições em que não houve nenhuma ocorrência foram descartadas.

O Noticiário
Foram analisados 17 textos das três edições do jornal de bairro O Noticiário. O impresso apresenta informações que indicam ser a Restinga um bairro onde ocorrem fraudes, denúncias, depredações ao patrimônio local, protestos de pessoas descontentes com a falta de serviços básicos. É possível perceber que existem disputas pessoais e de grupos que competem por lideranças em entidades. Constatamos que nem sempre o jornal apresenta as diversas versões dos envolvidos em fatos polêmicos.
Há carências e lutas para melhorar a qualidade de vida no bairro. Entidades e voluntários preocupam-se com a solidariedade, buscam melhorias para seus moradores, através da veiculação de informações pró-segurança. Organizam festas beneficentes para as crianças e incentivam doações aos trabalhos assistenciais reconhecidos. Nas páginas de O Noticiário, a Restinga é um lugar de muitas carências, onde moram cidadãos que buscam reconhecimento da comunidade local, mas principalmente, da população de Porto Alegre.


Diário Gaúcho
A leitura dos exemplares do Diário Gaúcho permite constatar grande incidência de notícias sobre violência no bairro Restinga. Através das expressões utilizadas nos textos do impresso, é possível concluir que o local é foco de homicídios, agressões físicas, ameaças, invasões e expulsões residenciais, medo, tráfico de drogas. Também se observa que se trata de um bairro carente e que entidades dispostas a investir em projetos sociais, cursos gratuitos, creches comunitárias.
As palavras e/ou expressões mais freqüentes no período analisado possuem co-relações de sentidos nos textos estudados do Diário Gaúcho: Vândalos; terror/aterrorizando; tiros/disparos/revólver (es); traficantes/tráfico/drogas;destruição/violência;crimes/criminalida-de/assaltantes; morador prefere não se identificar/ameaçado /ameaças; cursos/aulas gratuitas.
Considerando as palavras encontradas com mais insistência nas notícias do Diário Gaúcho sobre a Restinga, podemos intuir que a representação social do bairro é de ser um lugar muito perigoso, onde residem vândalos, assaltantes, criminosos. Por fim, uma área sem lei, carente em todos os sentidos, principalmente de justiça e de respeito à pessoa humana.
Submetemos “palavras/expressões” analisadas nos jornais O Noticiário e Diário Gaúcho a uma residente do bairro há 18 anos . Ocultamos o termo “Restinga” e perguntamos quais as impressões colhidas a partir da leitura das expressões tabuladas. Primeiramente apresentamos frases com significados pessimistas.
A resposta foi a de que o local em questão tratava-se de “um verdadeiro inferno, uma terra sem lei” [sic]. Também julgou que as pessoas referidas, especialmente na tabela do jornal de bairro, eram “muito mal educadas, não respeitam as suas próprias coisas”. Sem saber que as frases se referiam ao local onde mora, atribuiu as caracterizações ao Rio de Janeiro. A cidade freqüentemente figura nos meios de comunicação devido à criminalidade, especialmente às disputas entre traficantes de drogas. Em seguida, mostramos as expressões favoráveis, e a resposta foi: “é um lugar melhor do que o primeiro” (MACHADO, 2006). Esclarecemos, então, que as referências eram para o mesmo local. A conclusão foi a de que

[...] então é um lugar marginalizado e as pessoas estão interessadas em melhorar a sua realidade. Dá para ver que, apesar das coisas ruins, também existem as boas, apesar de serem em menor quantidade. Tem gente de dentro e de fora [moradores e não-moradores] querendo ajudar esse lugar (idem, 2006).

Outras considerações
Enquanto o veículo da RBS aumenta sua penetração no bairro noticiando sobretudo os fatos mais extremos como assassinatos, tráfico de drogas e vandalismo, o jornal local prefere abrir espaço para suas promoções. Alega que procura resgatar a auto-estima dos moradores e assim deixa de publicar as notícias sobre os crimes que se registram no bairro.
É compreensível a omissão de fatos violentos do bairro nas páginas d’O Noticiário, pois é uma prática usual na cobertura dos demais jornais de bairro, afinal
[...] a imprensa de bairro passa uma imagem de que o local de moradia de seus leitores é um lugar tranqüilo e seguro e toda a violência da vida da cidade só é transmitida pelos outros veículos de informação [grifo nosso]. É nesse ponto que surge a complementaridade da imprensa de bairro. Ela atua dentro de uma linha editorial muito próxima da propaganda com a portadora de boas notícias (PROENÇA, 1984, p. 70).

No entanto, a omissão dos fatos violentos das páginas do periódico de bairro, não é a solução, pois ignorar a existência não modificará a realidade social que os origina. É fundamental procurar a melhor forma para abordar questões como droga e violência e estimular um olhar bastante crítico sobre esses assuntos, aproveitando a proximidade do veículo com os moradores. É preciso instigar e contextualizar esses temas, presentes em qualquer comunidade, seja periférica ou não. Violência e drogas na Restinga são assuntos bastante explorados pelos jornais comerciais.
Verificamos que O Noticiário, apesar de divulgar fatos positivos do bairro, estimular a solidariedade e organizar eventos de integração da comunidade, ainda está longe de cumprir seu papel de valorização e conhecimento do bairro. Entendemos que é desperdiçado um espaço valioso nas páginas com a divulgação de rixas locais e com autopromoção do diretor do jornal. Constatamos, ainda, que o jornal de bairro pode ser uma forma eficiente de educação popular. Isso pode ser feito através de informações para a prevenção de doenças, de consumo de entorpecentes, campanhas para planejamento familiar ou valorização de talentos artísticos ou desportivos locais. Tais veiculações poderiam contribuir

[...] para a elevação da auto-estima, a reconstrução da cidadania e o desenvolvimento de um olhar crítico por parte das pessoas envolvidas na sua produção e também dos demais integrantes da comunidade no qual o veiculo de comunicação está inserido[...]
Ao verem a vila retratada fora das páginas policiais dos jornais, os moradores não só aprovam a iniciativa, como começam a participar dela, por meio da sugestão de pautas, publicação de anúncios e até mesmo de apoio material. (CARNICEL apud DIMENSTEIN) .

Enfim, observamos que o jornal O Noticiário é, de certa forma, omisso quanto a expressões que possam representar a Restinga, tanto em aspectos construtivos quanto depreciativos. A existência inegável deste último é merecedor de campanhas de conscientização local de melhorias para a comunidade. São poucos os textos que realmente abordam ou caracterizam o bairro. Oferecer idéias e valores que ajudem a população a superar suas dificuldades. Auxiliá-la a exercer e lutar pela sua cidadania de fato. Valer-se da proximidade com os residentes para alcançá-los, antes e após a impressão. Ouvi-los e estimular uma participação mais efetiva no veículo comunitário. O contato prévio à produção do jornal é imprescindível para a decisão conjunta do que será veiculado, sem esquecer que o periódico, depois de pronto, deve chegar à maioria das residências, o que não acontece.
O jornal Diário Gaúcho apresenta muitas expressões que podem caracterizar a Restinga. Assim, concluímos que a representação construída pelo Diário Gaúcho mostra que a Restinga é um local de ações de vandalismo, terror, tiros, tráfico de drogas, destruição, crimes, assaltos, ameaças, moradores com medo de se identificarem. Também se observa que é um bairro carente de recursos de saúde pública, aperfeiçoamento e para onde são destinados projetos sociais, cursos gratuitos, creches comunitárias. Sobre a presença constante de informações policiais na Restinga nas páginas do Diário Gaúcho, o editor-chefe explica que não é possível mudar a realidade do bairro.
O proprietário do jornal de bairro, Fabio Henrique dos Santos, criticou as muitas informações sobre a violência na Restinga, veiculadas no DG. “Nós sabemos que esses acontecimentos são em grupos isolados. Quem mora no bairro sabe que ninguém sai na rua matando qualquer um. É isso que eles transparecem. Eu procuro nem ler o DG” (2006). No seu entendimento, os textos do jornal popular da RBS exageram. “Não é tanto assim. Eles fazem um estardalhaço [sic]. Talvez porque gera leitores, tanto é que os leitores daqui também estão pedindo que a gente faça isso. As pessoas gostam de ler isso, é incrível. Quando morre alguém na Restinga, geralmente as pessoas querem ver o nome e confirmar se era seu conhecido, se tem foto divulgada. Por isso a gente tenta diferenciar, mostrar o lado bom do bairro. Tem um senhor que veio de Uruguaiana e abriu uma loja de autopeças aqui no bairro. Ele me disse que a Restinga não é nada do que falam lá fora. Ele gostou das pessoas, do lugar [...] (SANTOS, 2006)
Ciente da insatisfação dos restinguenses, Bach justifica a abordagem do DG, afirmando que o sentido também é de cobrar do poder público que faça alguma coisa para mudar aquele quadro. Eu acho errado olhar só para um lado, olhar para a Restinga e ver só as mortes, só as coisas ruins. Mas freqüentemente nós temos ido lá fazer coisas legais [...]. Nós sabemos que as pessoas que trabalham e vivem lá constroem coisas legais (2006).
A “realidade” do bairro, mostrada pelo Diário Gaúcho, no nosso entender, é absolutamente simplista, e nenhuma reportagem discute a fundo a problemática da violência, argumenta Ronchetti (2003, p. 88). Na mesma obra, Celso Schöreder assinala o desserviço desta abordagem. Há a “estigmatização da violência e da droga como elementos isolados e autônomos, aparentemente sem nexo com a sociedade que os produz e com a elite que os utiliza” (SCHÖREDER, 2003, p. 10).
Acreditamos que “as universidades deveriam ter mais interesse por esse segmento da imprensa, estudar a comunicação de bairro.” Com a colaboração dos estudantes de jornalismo, imaginamos que esses periódicos teriam melhor apresentação e o conseqüente reconhecimento da comunidade em que está inserido.
Guareschi lembra que “não podemos ser cegos, surdos e mudos socialmente falando” e que todo ator social possui uma responsabilidade ética, especialmente no que diz respeito à comunicação. “O papel da universidade na sociedade é mostrar que ela é o local onde se reflete a dimensão humanista e crítica as instituições onde se deve, por obrigação, desenvolver a pesquisa científica” (2003, p. 11-12). Reforça que “a universidade é o local onde a sociedade pode cultivar a mais lúcida consciência de si própria para procurar a verdade [...]”.
Por fim, reforça que as funções essenciais da universidade seriam, essencialmente: a) investigação, pois a verdade só é acessível a quem a procura sistematicamente; b) ser um centro de cultura com a finalidade de educar o ser humano no seu todo; o âmbito da verdade é maior que o da ciência; c) o ensino, como a possibilidade de transmitir a verdade (JASPERS, apud GUARECHI, 2003, p. 13).
No 2º Seminário de Comunicação e Mídia Popular da Restinga , foi debatida a democratização dos meios de comunicação, através das mídias comunitárias. Guareschi reforçou que de nada adiantaria democratizar as mídias se o conteúdo veiculado não seguisse o mesmo destino. Os meios de comunicação são concedidos pelo governo, porém, a comunicação [...] deve ser repartida entre todos os cidadãos. Determinado fato passa a existir ou deixar de existir se for ou não veiculado. A comunicação [midiática], além de construir a realidade, o faz com valores. [...] Valor é aquele aspecto ético que nos leva a fazer alguma coisa ou o deixar de fazer. É impressionante o jeito como eles [a mídia] passam esses valores. Eles fazem a agenda dos assuntos discutidos. Mas é importante pensar no que a mídia deixou de colocar, ‘a agenda negativa’: o que não foi dito pode ser o mais importante. A mídia nos ‘faz’, nos constrói (GUARESCHI, 2006).
Democratizar a comunicação é assunto muito sério. É democratizar aquilo que é “o bem central da sociedade. Todo o cidadão deve ter a possibilidade de participar dessa comunicação, para poder construir e mostrar a criação da sua realidade com valores” (Ibid.). A cidadania não existe sem que todos possam expressar sua palavra. E os jornais de bairro devem aproveitar esse espaço para mostrar, da maneira mais abrangente possível, a comunidade a que pertencem, pois isso não é feito pelos jornais com fins lucrativos.

Referências

DORNELLES, Beatriz Corrêa Pires. Jornalismo "comunitário" em cidades do interior: uma radiografia das empresas jornalísticas: administração, comercialização, edição e opinião dos leitores. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2004.
___________. Imprensa Comunitária: Jornais de Bairro de Porto Alegre. In: HAUSSEN, Doris Fagundes (ORG). Mídia, imagem e cultura. [s.l.]: EDIPUCRS, 2000. p. 103-126.
GUARESCHI, Pedrinho; BIZ, Osvaldo (Orgs.). Diário Gaúcho: que discurso, que responsabilidade social? Porto Alegre: Evangraf, 2003.
GUARESCHI, Pedrinho et. All. Os construtores da informação: Meios de Comunicação, Ideologia e Ética. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
MELO, José Marques de. Estudos de Jornalismo Comparado. São Paulo: Biblioteca Pioneira de Arte e Comunicação/livraria Pioneira Editora, 1972.
PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. Jornalismo comunitário. São Paulo: Contexto, 2005. p.185-8.
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Os Jornais de Bairro na cidade de São Paulo. São Paulo: [s.e.], 2003.
PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Memória dos Bairros: Restinga. Porto Alegre: [s.e.], 1990.
PROENÇA, Jose Luiz. Contribuição para o estudo do jornal de bairro como elemento de integração das comunidades na metrópole. São Paulo: USP, 1984. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação). Escola de Comunicação e Artes da universidade de São Paulo. Universidade de São Paulo, 1984.
RONCHETTI, Gustavo. Mídia, violência e Sistema Penal: o Caso do Jornal Diário Gaúcho. In GUARESCHI, Pedrinho; BIZ, Osvaldo (Orgs.). Diário Gaúcho: que Discurso, que Responsabilidade Social? Porto Alegre: Evangraf, 2003.
RÜDIGER, Francisco. Tendências do jornalismo. Porto Alegre: Universidade/UFRGS, 1993.
SCHÖREDER, Celso Augusto. O sensacionalismo envergonhado. In GUARESCHI, Pedrinho; BIZ, Osvaldo (Orgs.). Diário Gaúcho: que Discurso, que Responsabilidade Social? Porto Alegre: Evangraf, 2003.

Entrevistas, seminários, informações verbais e gravações:

BACH, Alexandre. História do Jornal Diário Gaúcho [21 fev. 2006]. Entrevista concedida à Sandra Modena, Porto Alegre.
BANCO DE DADOS da Brigada Militar. Ocorrências Registradas na Restinga. Análise Sgt Moacir do 21ºBPM, 05 mai. 2006. Entrevista concedida à Sandra Modena.
BIBLIOTECA DO IBGE. População de Porto Alegre nos anos 1940 e 1950. Porto Alegre, 03 mai. 2006. Informação verbal concedida às autoras.
CARVALHO, Tatiana Machado. Morar na Restinga. Porto Alegre, 26 abr. 2006. Aspectos do Bairro. Informação verbal concedida às autoras.
CENTRO Administrativo Regional Restinga. Informação sobre candidatura Pingo Vilar. Porto Alegre, 03 mai. 2006. Informação verbal concedida às autoras.
DUARTE, Thiago Pereira. Saúde na Restinga, Porto Alegre, Gerência Distrital de Saúde, 03 mai. 2005. Entrevista concedida às autoras.
GIASSON, Inez. Morar na Restinga. Porto Alegre, 26 abr. 2006. Aspectos do Bairro. Entrevista concedida às autoras.
GUARESCHI, Pedrinho. (informação verbal) 2º Seminário de Comunicação e Mídia Popular da Restinga. Porto Alegre, 27 mai. 2006. Fórum de Educação da Restinga e Extremo Sul – FERES.
GUEDES, Denílson. Morar na Restinga. Porto Alegre, 26 abr. 2006. Aspectos do Bairro. Entrevista concedida às autoras.
JORNAIS DE PORTO ALEGRE: A GUERRA DIÁRIA. Cyro S. Martins Filho. Pós-Graduação em Comunicação. Porto Alegre, 2002. 1 Fita, 60 min., col., VHS. FITA DE VÍDEO.
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