segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Os primeiros jornais de bairro comunitários de Porto Alegre

Relato da fundação e produção dos dois primeiros jornais de bairro que circularam em Porto Alegre, ambos com caráter comunitário e tendo como criador a mesma pessoa, o servidor público Odemar Marino Ferlauto. O primeiro, O SABIdo, é o pioneiro do Rio Grande do Sul, tendo surgido em 1954, no bairro Ipanema, zona sul. O segundo, o COLMEIA, foi fundado em 1967, também em Ipanema. Ambos circularam com distribuição gratuita entre os moradores do bairro, foram comercializados junto ao pequeno comércio da região e a profissionais liberais, e o modo de produção era artesanal. O jornal registrou o cotidiano dos anos 54 e 67 e serviu para disseminar as reivindicações da comunidade. O trabalho do editor tinha caráter de voluntariado e o jornal não visava lucro.

Palavras-chave: jornal de bairro, jornalismo comunitário, história da imprensa.
















Os primeiros jornais de bairro comunitários de Porto Alegre


Beatriz Dornelles


No dia primeiro de setembro de 1895 , circulou pela primeira vez, em São Paulo, provavelmente o primeiro jornal de bairro do Brasil, o Braz. Pelo menos, que se tenha conhecimento, não há nenhum documento indicando a possível existência de jornal de bairro antes dessa data no país.
Apesar do precoce nascimento do primeiro jornal de bairro, apenas em 1964, os jornalistas paulistas se mobilizaram para criar a Associação dos Jornais de Bairro de São Paulo, conforme registro em 22 de agosto de 1964, no jornal A Gazeta de Vila Mariana, localizado pelo jornalista Eduardo Monteiro . A idéia, no entanto, só se concretizou em 26 de abril de 1971. Reproduzimos o título e texto publicados na primeira página da Gazeta de Vila Mariana:

“JORNAIS DE BAIRRO TERÃO ASSOCIAÇÃO
Depois de algumas tentativas frustradas, conseguimos reunir na última 3.ª feira, nos salões do Monte Carlo Clube, vários dirigentes de jornais de bairro, com o intuito de fundar-se uma associação que os congregue e resolva seus problemas mais prementes.
Estiveram presentes "ao bate-papo”, que foi dos mais proveitosos, os Srs. Armando da Silva Prado Neto, representando a Gazeta de Santo Amaro; Reynaldo Rodrigues, representando "A Voz do Cambuci”; Antônio C. Treme, representando o "Brás Seller”; José Barbosa Pupo, publicista, representando "A Gazeta de Pinheiros” e a “Gazeta da Zona Norte”, além do Dr. Leonardo Mônaco e Eduardo Monteiro, Diretor deste semanário.
Entre outros temas, foram debatidos a questão da aquisição de oficina própria, quotas de papel, preços nas agências de publicidade e a colaboração dos comerciantes locais. No próximo dia 31, os dirigentes estarão reunidos novamente, para ultimarem detalhes sobre a fundação da aludida associação”.

Com uma história que já tem 34 anos de mobilização, os jornais paulistas apresentam significativa organização do segmento e já possuem, inclusive, um Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais de Bairro de São Paulo e várias associações de jornais de bairro por zonas de São Paulo (Leste, Norte, Sul, Oeste).
A pedido do presidente do Sindicato e demais entidades do segmento, em 22 de novembro de 1989, a Câmara de Vereadores da cidade instituiu o Dia do Jornal de Bairro. Porém, a data, foi escolhida aleatoriamente e não tem significado histórico. Com a pesquisa feita por Monteiro, o segmento está pleiteando desde 2003 a troca da data de comemoração de 13 de junho (Dia de Sto. Antônio) para dia 1º de setembro, data em que circulou o primeiro jornal de bairro na cidade de São Paulo, editado pelo então coronel Albino Bairão, o que certamente contará com o apoio dos parlamentares, já que se trata de preservar a história da imprensa alternativa . É apenas uma questão de tempo.
No Rio Grande do Sul, ao que tudo indica, a história dos jornais de bairro começa em torno de 1954, conforme pesquisa realizada por CRUZ (2000), quando foi lançado o SABIdo, jornal de bairro da zona sul de Porto Alegre, pertencente à Sociedade Amigos dos Balneários de Ipanema (SABI), fundada em 9 de fevereiro de 1953 . A informação é de Odemar Marino Ferlauto, idealizar do periódico, em entrevista a Cruz e também à autora deste artigo, no ano de 2000.
O jornal circulou por cerca de quatro anos (até 1958), tendo mais de 40 edições lançadas, distribuídas gratuitamente aos moradores do bairro Ipanema pelo Correio. Segundo Ferlauto, as notícias do SABIdo eram de interesse do bairro Ipanema, da própria SABI e dos 12 balneários existentes nos atuais bairros Ipanema, Espírito Santo e Guarujá. Em pouco tempo, o jornal transformou-se em instrumento reivindicatório dos moradores e veranistas daquelas praias.
O período de surgimento do jornal – que identificamos como comunitário e de bairro, conforme características relatadas por Janowitz – é bastante rico historicamente. Entre 1945 e 1964, período da 3ª República, conforme periodização de Fontes (2002) , a elevada taxa de natalidade no Brasil transformou seu crescimento em algo espantoso. O Censo de 1950 registra uma população de 52,2 milhões de habitantes; o de 60, marcou 70,7 milhões de brasileiros e, em 1979, já havíamos chegado a 93,1 milhões.
Em 1946 foi promulgada a 3ª. Constituição Republicana. Após o período de ditadura de Vargas (1937-1945), a democracia foi restaurada. A situação do país manteve-se instável. Getúlio Vargas voltou ao poder em 1950, tendo se suicidado em 1954.
Sucedeu-lhe na presidência, em 1955, Juscelino Kubitschek, que lançou um ambicioso programa de modernização do país, criando também a nova capital do Brasil: Brasília (1960). Estas medidas, não acompanhadas de uma gestão adequada do Estado, acabaram por provocar um aumento do déficit público e da inflação.
Sucede-lhe Jânio Quadros, mas este foi obrigado a renunciar sete meses após ter sido eleito. É a vez de João Goulart (1961-1964) que tentou, sem grande êxito, desenvolver reformas profundas na sociedade brasileira. A crise foi instalada.
Politicamente, desde 1937, embora predominasse no Brasil o Estado de Direito, já se percebiam traços de autoritarismo que se estenderam até 1964, quando ocorre o Golpe Militar no Brasil. Conforme registro da FEE , o autoritarismo expressava-se fundamentalmente na estrutura corporativista da organização sindical, que começou a ser montada em 1930. “O corporativismo descaracterizou e obstaculizou a livre manifestação das reivindicações dos trabalhadores” .
A partir de 1955, os setores representantes dos interesses do capital estrangeiro passaram a assumir uma importância crescente no processo de desenvolvimento nacional, buscando uma posição de vanguarda no plano político, tendo como porta-voz a União Democrática Nacional (UDN).
Os problemas de unificação administrativa e da uniformização de benefícios e serviços da Previdência Social constituíram-se na tônica do período; na área de saúde, estiveram em evidência as questões ligadas ao combate às doenças de massa e à ampliação da assistência médica; no setor trabalho, as lutas sindicais e a política salarial monopolizaram as atenções dos poderes públicos; quanto à educação, os aspectos mais relevantes foram a democratização do ensino e a qualificação profissional e, ainda, a existência de um expressivo déficit habitacional, que passou a ser encarado como uma questão social.
Com a volta de Getúlio Vargas à Presidência da República, em 1950, o movimento operário passou a ter nova esperança, no sentido de recuperar a cidadania e o poder de negociação que o Governo Gaspar Dutra lhe havia tirado. A morte de Getúlio, em 1954, interrompe esse processo de negociações.
Os anos 60 são marcados por um grande desenvolvimento econômico, mas também pelo regresso da ditadura ao Brasil. A 31 de Março de 1964, de Minas Gerais, de São Paulo e da Guanabara, irrompe um movimento militar que derruba João Goulart. Os militares colocam no poder o general Castelo-Branco, que governa de forma absoluta até 1967. Em janeiro de 1967 entrou em vigor uma nova Constituição de caráter autoritário, e dois meses depois o general Arthur da Costa e Silva assumiu a presidência da República. Este foi substituído em 1974 pelo general Emílio Garrastazzu Médici.
No Rio Grande do Sul, em 1954, o governador era Ernesto Dornelles e, em 1955, o cargo passa para Ildo Meneghetti. Sete partidos políticos compunham a Assembléia Legislativa naquela época: Partido Trabalhista Brasileiro, Partido Social Democrático, Partido Libertador, Partido de Representação Popular, União Democrática Nacional, Partido Social Progressista e Partido Socialista Brasileiro.
A população do Rio Grande do Sul, na época, era de pouco mais de 4 milhões. Porto Alegre tinha apenas cerca de 400 mil habitantes . Os anos 50 na capital gaúcha não foram de grandes mudanças. Conforme Medeiros , houve uma estagnação na economia sul-rio-grandense, com o surgimento de taxas negativas de crescimento.
Em Porto Alegre, um novo anteprojeto de plano diretor foi realizado para a cidade em 1954, sob forte influência das idéias de Lê Corbusier e da Carta de Atenas , onde quatro funções urbanas definiam o zoneamento do uso do solo: habitar, circular, trabalhar e recrear. O Plano foi instituído legalmente em 1959, durante administração de Ildo Meneghetti.
A imprensa sofreu diretamente com os percalços políticos do país. Getúlio Vargas, em 1937, na condição de ditador, estabelece a censura, restrições e limites para a manifestação do pensamento nas suas diferentes formas. Foi criado, então, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) para controlar a imprensa e regulamentar a censura.
Conforme destaca Bahia (1964) , jamais foi tarefa tão perigosa quanto fazer jornal no estadonovismo. “Ante o silêncio e a conivência de muitos, crescia a organização industrial da imprensa”, denuncia. Funcionando com o dinheiro do governo, a custa de favores públicos, semanários passaram a diários, revistas mensais a semanais, etc. Só em 1945 acabou a ditadura e a imprensa readquiriu sua liberdade.
Em 1953, nova Lei de Imprensa foi promulgada e, nela, os delitos do jornalismo receberam situação especial. A lei respeita as conquistas democráticas. No entanto, a partir de 1964, gradativamente, é restringida a liberdade de manifestação do pensamento. A censura é obrigatória e a liberdade da imprensa só é recuperada após o fim da ditadura militar, em 1985.
Após a Segunda Guerra Mundial (1945), com a mobilização popular pela Constituinte, a queda da ditadura Vargas, a expansão da indústria, entre outros fatores sociopoliticoeconômicos, surge o novo jornalismo no Brasil, que ingressa na cultura de massas. Acontece a competição por maiores tiragens, busca de público, crescimento do sistema de radiodifusão, jornalistas formam-se nas universidades, e o objetivo da imprensa passa a ser a interpretação desapaixonada do acontecimento.
A missão do jornalismo é modernamente também uma missão de educação, afirma Bahia . No entanto, a alta taxa de analfabetismo brasileira, que conseqüentemente resulta na ausência de hábito de leitura, é a principal causa de baixas tiragens de jornais. Além disso, eles passaram a competir com o rádio e a televisão, após 1950. Assim, a década de 60 é marcada como a década da crise dos jornais. Foi o impacto do desenvolvimento do rádio e da televisão. Nos anos 70, ocorre a crise do papel, fazendo com que novamente os jornais recuem seus desenvolvimentos. É somente nos anos 80 que a imprensa passa a investir definitivamente em seu crescimento.

Imprensa gaúcha
No Rio Grande do Sul, o primeiro jornal a implantar o jornalismo noticioso foi o Correio do Povo, fundado em 1895 por Caldas Júnior, sergipano que veio para o Rio Grande do Sul ainda criança. Trabalhou como redator-chefe do Jornal do Comércio e, depois de juntar um pequeno capital, montou seu próprio jornal. Naquela época, o tipo de jornalismo promovido no Rio Grande do Sul era o político-partidário, que se estendeu até o Estado Novo.
Por isso, para Caldas Júnior a época era favorável a um jornal sem comprometimento político. E o Correio do Povo, além de adotar esta linha, assumiu uma postura empresarial que lhe garantiu o sucesso, investindo na tecnologia e na administração do jornal. Em 1910, Caldas Júnior montou a primeira impressora rotativa no Estado e, nos anos seguintes, as quatro primeiras linotipos, elevando a tiragem de mil exemplares para 10 mil. Em 1920, a tiragem foi para 20 mil exemplares, configurando, conforme valores da época, o chamado “monopólio da imprensa”.
Para fazer frente ao Correio do Povo, em 1925 surge o Diário de Notícias, tornando-se o segundo maior jornal do Estado. Introduziu um jornalismo moderno, apoiado em campanhas de opinião pública. O forte desse jornal também era o departamento comercial, que levantava grandes volumes de anúncios. Em 1930, o Diário tinha uma tiragem diária de 25 mil exemplares.
Breno Caldas é também responsável por outra revolução na imprensa gaúcha: em 1936, lança a Folha da Tarde, um vespertino, tablóide, formato de jornal que conquistou os leitores gaúchos até os dias atuais.
A partir de 1930, a industrialização no país fomenta o desenvolvimento das empresas jornalísticas, aumentando o público leitor e viabilizando a publicidade, que progressivamente passa a ser a principal fonte de financiamento do jornalismo. A mudança não significou, na época, a neutralidade e imparcialidade dos jornais em relação aos candidatos políticos. O que aconteceu foi apenas a omissão explícita desse interesse. Os donos de jornais gaúchos continuaram defendendo determinados nomes, mas negando publicamente que estariam sendo parciais.
Além da dissimulação da grande imprensa, o desenvolvimento do jornalismo provocou, também, a decadência da imprensa interiorana gaúcha no final dos anos 50 e início dos anos 60, bem como o monopólio da imprensa de Porto Alegre, especialmente em termos de distribuição de verba publicitária.
É somente nos anos 70 que a imprensa gaúcha interiorana e pequenos jornais da capital adotam o jornalismo informativo como método de produção dos periódicos, abandonando o jornalismo de opinião e o colunismo, que vigoraram por várias décadas.
Foi nesse contexto que surgiu em Porto Alegre o jornal comunitário SABIdo. Seu criador, Odemar Marino Ferlauto, era responsável pela comercialização, distribuição e redação do jornal, que tinha periodicidade mensal, formato tablóide, tiragem de 500 exemplares e circulava com número de páginas que variava de 2 a 8. Era impresso na Tipografia Thurman, localizada no bairro Ipanema até a década de 70, período que aconteceu seu fechamento.
A primeira edição do SABIdo circulou com duas páginas; a segunda e demais, com quatro, e em edições especiais, com oito ou mais. Sobre o nome do jornal, Ferlauto (abud CRUZ, 2000) conta que junto a ele, fazendo parte do logotipo, constava a ilustração de um indivíduo com um olho bem aberto, indicando, segundo o idealizador, esperteza, ou seja, o próprio sabido.
Foram os empresários da região que financiaram o custo de produção do jornal, que circulou por quatro anos. Por esta razão, o jornal se sustentava, mas “às vezes faltavam recursos, outras sobravam”, contou Ferlauto (Idem).
As causas do fechamento do jornal, segundo julgamento de seu mentor, foi a estagnação da SABI e a diminuição do tempo dedicado à sua produção pelo próprio Ferlauto, que era servidor público e trabalhava 40 horas semanais, não recebendo nenhuma remuneração para fazer o periódico.

O jornal Colmeia
Outro jornal de bairro que circulou no século 20, antes dos anos 80, período em que ocorre a expansão do segmento , foi o Colmeia, lançado pela Associação Comunitária e Assistencial de Ipanema (ASCAI), mantenedora do Centro Comunitário de Ipanema. O jornal foi fundado em maio de 1967, tendo circulado por aproximadamente um ano e meio na região (também zona sul de Porto Alegre). Fechou com acirramento da censura à imprensa, em 1968.
Em 1960 a população do Brasil havia passado para cerca de 71 milhões de habitantes; a do Rio Grande do Sul para 5,5 milhões, e a de Porto Alegre para 641.173 habitantes. A estimativa para 1967 era de 889 mil habitantes aproximadamente.
Os anos 60 foram marcados por uma profunda crise política e econômica. A crise, que se traduziu num rompimento a nível das classes dominantes, levou o governo – principalmente após a queda de Jânio Quadros – a buscar novamente uma maior aproximação com o movimento operário.
A década é marcada pelo fim das liberdades democráticas e a implantação da ditadura militar, em 1964. Portanto, o ano de fundação da Colmeia estava sob forte pressão do regime militar, prestes a impor ao país o AI 5, ato que fechou o Congresso Nacional, suspendeu as prerrogativas da magistratura, impôs rigora censura à imprensa brasileira e retirou o direito de habeas-corpus para crimes políticos.
O Colmeia também foi obra de Odemar Ferlauto, que, na época, era presidente da ASCAI. A data exata do fechamento do jornal não foi identificada. Seu criador não se lembra e não possui arquivo do jornal. Cruz (2000), no entanto, conseguiu recuperar duas edições: a de número 1, de maio de 1967, e a de número 6, de outubro do mesmo ano, que estavam com um ex-anunciante do Colmeia, Hélio Ricardo Alves, hoje pesquisador da história do bairro Ipanema. Essas edições serviram para uma descrição da produção editorial do jornal e identificação do espírito comunitário da comunidade e das pessoas que participavam da produção do periódico aqui apresentados, através de análise qualitativa.
Os objetivos do jornal, conforme identificamos no Editorial do exemplar de nº 1, eram:
(...) não apenas manter a coletividade de Ipanema ciente dos trabalhos comunitários que se desenvolviam e que seriam promovidos no bairro, mas também integrar toda população no espírito dos propósitos que seriam mantidos para o bem estar do bairro (grifo meu).


E mais adiante, no mesmo editorial, revelando o estilo “comunitário” do jornal, seus propósitos, a linguagem da época, os valores e a posição geográfica, destacam os responsáveis pelo periódico:
(...) As páginas deste mensário estarão abertas e prontas a divulgar todas as boas promoções que se organizarem no bairro e, mais do que palavras, é a confirmação deste propósito, o texto que constitui este primeiro número de lançamento.
Não nos limitaremos à veiculação do que o Centro Comunitário e a ASCAI promovem porque então seríamos exclusivistas e estaria burlada a finalidade que o próprio Centro traz em sua denominação. Nossas intenções são as de amplo congraçamento, de estímulo à união e às iniciativas que tragam endereço claro de favorecimento de Ipanema.
Tão pouco, nos levantaremos para criticar ou obstar o espírito de boa vontade que animará o movimento das Entidades que têm sede no bairro. Seria intromissão indevida, ingerência em negócios alheios e obstrução do livre desenvolvimento de ideais ou de planos. Apenas nos reservaremos o direito de nos omitirmos na publicidade daquilo que contrariar nossa orientação, pois que esta a temos, definida, sadia, objetiva e progressista.
Esperamos, por isso, a compreensão geral, o estímulo para que prossigamos, a crítica, quando construtiva, a colaboração sistemática de medidas que forem aceitas e acolhidas pelo consenso geral.
Tragam suas notícias e as informações de suas atividades e aqui nestas páginas serão estampadas.
Veremos, então, que nosso Jornal será o espelho fiel da comunidade, o reflexo do espírito evoluído de sua população, o atestado de um bairro que deseja e portanto vai progredir com ação dinâmica própria.
Ofereçam-nos, pois, um largo crédito de confiança e tenham a certeza que escrituraremos elevados dividendos a cada um, pelo resultado de nosso trabalho desinteressado e sem meios ou fins personalistas.




Sem poder contar com a plena memória do mentor do Colmeia, a partir dos exemplares recuperados podemos relatar que o jornal circulava mensalmente, com quatro páginas, na zona sul de Porto Alegre, gratuitamente, formato tablóide, impresso na tipografia Thurman, em papel jornal. A tiragem não é conhecida, mas podemos supor, a considerar os custos do jornal, que deve ter iniciado com 500 exemplares, podendo ter passado para mil exemplares, já que, aos poucos, o jornal passou a circular em outros bairros vizinhos à Ipanema, como Espírito Santo, Serraria e Guarujá, neste especificamente no Grupo Escolar Professores Langendonck.
Ao analisar o Colmeia, pode-se verificar muitas semelhanças com os atuais jornais de bairro, no que pese a diferença da linguagem, do estilo de redação, do uso de muitos adjetivos, da presença constante de textos opinativos, da tecnologia e da apresentação do jornal. Mas as pautas abordam os mesmos temas tratados hoje pelos jornalistas de jornais de bairro e os propósitos são bastante semelhantes, especialmente em relação aos jornais de associações de moradores de bairro.
O espaço publicitário do Colmeia era comercializado prioritariamente no próprio bairro, junto ao comércio e profissionais liberais. O exemplar nº 1 circulou com 14 anúncios (muito pouco, considerando o custo do jornal, mesmo naquela época), sendo eles: Importadora de Miudezas Muller, Farmácia Gazola, Veterinário Ivoy Júlio Corseuil, Restaurante Bologna, Irmãos Balestrin, Açougue Ao Calculador, Bar e Chjurrascaria N. S. Lourdes, Banca Central do Mercado Público (o responsável era morador em Ipanema), Posto de Gasolina Belomé, Mon Petit Bar, Armazém Riograndense (sic), Casa Juca Batista, Padaria Ipanema, Fimbreria (sic) Ipanema.
O tamanho dos anúncios variava de 4,5cm x 4,5cm (o menor) para 5cxm x 9,5cm (tamanho cartão de visita, o mais comum), 5,5cm x 9cm (outro tipo de módulo) e 11cm x 9,5cm (o maior de todos).
Os dois exemplares recuperados por Cruz (2000) não circularam com fotografias. Os títulos eram totalmente despadronizados, tanto em relação ao tamanho, quanto ao tipo de letra. Todavia, o tipo de letra utilizado para os textos era padronizado, estilo Times. A diagramação era bastante rudimentar, não apresentando nenhum tipo de recurso gráfico, inclusive o fio, o box e o grisê, muito pouco usados no jornal.
O exemplar de nº 1 do Colmeia traz na sua primeira página o editorial, dentro de um box, duas matérias e um anúncio. Do ponto de vista de recuperação da história do jornal e do segmento que representa, as duas matérias são bastante importes.
A primeira conta “Como nasceu este jornal”, questionamento que também serviu de título da matéria. O texto conta que desde seu lançamento, a Associação Cultural e Assistencial de Ipanema (ASCAI) sempre teve presente a idéia de lançar um jornal para divulgação de suas atividades e da comunidade. Em tendo conseguido seu propósito, os realizadores do periódico registram que “querem ser o porta-voz de tudo o que se realiza no bairro”. E afirmam: “Tanto a SABI a quem prestamos nossa homenagem e agradecemos por ter nos inspirado para realização do jornal, terá aqui lugar para divulgar sua promoções, como todas as entidades do bairro, de qualquer gênero e de qualquer porte, encontrarão aqui guarida para a veiculação do que anseiam e, garantimos, essas notícias chegarão a todos os interessados e irão cumprir suas altas finalidades”.
Diz o texto ainda: “Obedecendo ao espírito moderno do jornalismo, iremos procurar evoluir sempre para melhor, ampliando secções, modernizando, dentro das novas orientações surgidas, nosso noticiário e, se os recursos que para tanto dispuzermos o permitirem, ampliaremos as páginas do Jornal, objetivando mais espaço para informar, informar bem e com fidelidade”.
A segunda matéria de capa conta como aconteceu a escolha do nome Colmeia. O texto não apresenta nenhuma informação diferente do esperado. O editor revela que muitos nomes foram sugeridos e que a escolha foi difícil. Mas, ao final, optaram por Colmeia porque o nome soou de maneira muito agradável. “Com o acréscimo inspirado de um slogan para completar o título – União pelo Trabalho -, nasceu o nome do jornal”.
A página 2 do jornal contém o maior número de anúncios da edição – oito - e três matérias: uma sobre o lançamento da pedra fundamental da sede campestre do Clube do Professor Gaúcho, outra sobre o lançamento de um supermercado comunitário em Ipanema e a terceira, continuação de uma matéria da última página, sobre o Centro Comunitário do bairro. O tipo de texto produzido no jornal é do gênero opinativo, pois contém opinião do autor, em nome da ASCAI, e muitos adjetivos e superlativos. A título de melhor compreensão, reproduzimos, a seguir, o início da matéria sobre o Clube do Professor Gaúcho:
O Centro dos Professores Primários do Rio Grande do Sul lançou uma campanha pioneira no país, que está fadada a alcançar o mais absoluto sucesso, premiando a vasta e laboriosa classe do magistério do Estado.
Foram oferecidos aos Professores títulos patrimoniais do Clube do Professor Gaúcho, que contará com uma ampla e moderna sede social, no centro da cidade, já em construção a sede campestre, aqui no nosso bairro de Ipanema. (...)”. (Colmeia, maio de 1967, p. 2).

Na mesma página em análise – a 2, uma nota do jornal destaca: “Este é o jornal do bairro! É o seu jornal. Ele está sendo lançado para prestigiar seu bairro. Estimule-o e colabore com ele para o sucesso de seus objetivos”. Como se observa, o jornal se autodenomina “de bairro”, além de ser “comunitário”.
A página 3 da primeira edição contém uma vasta matéria sobre atividades do Centro comunitário, contendo um olho , escrito em caixa alta e contendo várias frases sobre o conteúdo do texto, em estilo telegráfico, característica atualmente incomum de se ver em qualquer tipo de jornal. Abaixo o reproduzimos parcialmente:
EXPRESSIVAS SOLENIDADES ASSINALARAM SUA INSTALAÇÃO A 4 DE DEZEMBRO – CERIMÔNIA RELIGIOSA ECUMÊNICA E EXPOSIÇÃO DE ARTE FORAM O PONTO ALTO .
A outra matéria da página 3, intitulada “Uma biblioteca para o bairro”, relata a disposição do Centro Comunitário de pôr em funcionamento uma biblioteca popular. Como diferencial, destaca-se na matéria o uso do pronome “nós”, não comum para época em textos informativos. A terceira matéria destaca o fato do bairro ter passado a possuir água abundante em torneiras, graças à renovação de tubulaturas, realizada pela prefeitura. O autor da matéria parabeniza o DMAE e a Prefeitura e aproveita para reivindicar ao bairro esgoto pluvial e restauração do pavimento de ruas. Três anúncios fecham a página 3.
A página 4, também a contracapa do jornal, contém cinco matérias. Uma relembra as conquistas e atividades realizadas pelos moradores do bairro no mês de dezembro. Outra, reivindica um ginásio para o bairro. A terceira matéria presta conta das atividades da Ascai no mês de dezembro. A quarta matéria relata a festa da Igreja no Centro Comunitário e a quinta matéria, de cunho educativo, esclarece quais as semelhanças e diferenças do Conselho e do Centro Comunitário. Três anúncios fecham a página.
O exemplar nº 6 do Colmeia, publicado em outubro de 1967, traz na capa o Editorial , elogiando a mobilização da comunidade em torno da necessidade de se garantir policiamento no bairro.
A matéria de abertura da capa do Colmeia relata os festejos no bairro dos 250 anos da aparição da imagem da Padroeira do Brasil, já que no bairro localizava-se a única igreja do Estado na época que tinha por padroeira Nossa Senhora Aparecida.
A outra matéria da capa, localizada abaixo da matéria principal, relata atividades do Centro Comunitário de Ipanema, em função de feiras do mel e exposição de coelhos. Ao lado, a divulgação de uma poesia, além de dois pequenos anúncios, dos Irmãos Balestrin e do Galeto Taba.
Na página 2, uma nota intitulada “DA REDAÇÃO”, informa que o jornal passou a ser impresso nas Oficinas Gráficas da Tipografia Thurmann e que recebeu três novos colaboradores da comunidade: o professor João Jacob Bettoni, Derly Weber e Ieda Lichtenberg.
Sob o título “Uma guerra que a todos mobiliza”, Weber escreve sobre a taxa de mortalidade infantil no Brasil e sugere a criação de hortas caseiras para auxiliar a alimentação das crianças. Uma outra matéria, intitulada “Colmeia” se expande, podendo ser classificada como um segundo Editorial, contém informações importantes sobre o progresso do jornal nos seis meses de existência. Por isso, com pequenas omissões de termos desnecessários ou redundantes, reproduzimos a matéria a seguir (COLMEIA, 1967, p. 2):
(...) É inegável a penetração cada vez mais intensa de nossos exemplares. Já conseguimos entrar, despertando o melhor interesse, nas populações de Espírito Santo, Guarujá e Serraria . Deve-se tal sucesso ao trabalho muito bem feito daqueles que estão colaborando na difusão de nossa folha, sendo que, fora de Ipanema, temos distribuído os exemplares de “Colmeia” no Grupo Escolar Professora Langendonck, nos quartéis da Serraria e a diversos residentes do Espírito Santo. É o nosso objetivo. Já dissemos e repetimos: não queremos nos limitar a Ipanema, nossos planos vão diante. Os interesses de Ipanema são os mesmos (...) de Pedra Redonda, Espírito Santo, Guarujá, Serraria e Aberta dos Morros , daí porque queremos chegar até lá.
Mas não param aí nossas pretensões de expandir nosso veículo. Já estamos paulatinamente penetrando também na Tristeza, através de um trabalho mais lento, mas amplamente objetivo e os primeiros resultados são favoráveis.
(...) Todos aqueles que manifestarem interesse em receber Colmeia que se manifestem da maneira que for mais acessível. (...) Quanto maior estímulo tivermos, melhor procuraremos fazer este mensário. Precisamos de pedidos de remessa, de colaborações de tantos quantos tenham assunto digno de divulgação. Necessitamos também de muita publicidade para que possa o jornal se manter. A tônica de nossa solicitação não é a de que a publicidade possa dar resultados imediatos, mas será uma cooperação de subsistência de um órgão que é inédito em toda a cidade: Um jornal de Bairro! (grifo nosso).


Esse texto destaca a exclusividade do jornal na época, confirmando as pesquisas de campo por nós realizadas, que não identificaram a existência de nenhum outro jornal desse gênero na época. Ou seja, o Colmeia se autocaracterizou como “jornal de bairro”.
O terceiro texto da página 2 é de Ieda Lichtenberg, que escreve uma crônica sobre a rotina dos trabalhadores. Sete anúncios tamanho cartão de visita e o expediente completam a página 2. Esse contém as seguintes informações: Colmeia – União pelo Trabalho; Periódico de interesse da Zona Sul de Porto Alegre; Editado pela responsabilidade da “ASCAI” – Associação Cultural e Assistencial de Ipanema, mantenedora do Centro Comunitário de Ipanema; Periodicidade Mensal; Circula ao início de cada mês; Impresso nas Oficinas Gráficas da Tip. Thurman. Rua Gonçalves Dias, 473; Ano I, OUT., 67 , Nº 6.
Com apenas dois anúncios, a página é composta por quatro matérias. Em “Rua Leblon reclama providências das autoridades” o jornal reivindica providências para o destino de efluentes de fossa. “A Criança”, de Celso Guimarães Ferlauto, é uma crônica sobre a infância, em homenagem ao dia 12 de outubro.
Outro texto, intitulado “Uma medida de receptividade de alta expressão”, fala sobre medidas de segurança para o bairro. Dois integrantes da comunidade, após participarem de duas reuniões do Conselho Comunitário, realizaram uma pesquisa no local para o assunto em questão. A matéria apresenta alguns dados do bairro na época, quais sejam: havia 28 moradores em uma das ruas, aquela escolhida para pesquisa, e mais 3 em fase de construção; 19 lotes de terrenos não ocupados por edificações e um prédio para alugar. De veranistas, havia 8 casas, representando 13,11% do total; os prédios em construção representavam 4,9% do total e o número de lotes vagos, 23,75%. Os 28 moradores e veranistas significavam 45,90% do total de prédios da região, ou seja, quase a metade.
Um texto de Zé Forquilha, editado em forma de Coluna, traz cinco notas, reivindicando serviços públicos ausentes no bairro. E a página contém, ainda, um parágrafo, dando continuidade à matéria da página 2, intitulada “Uma Guerra que a todos mobiliza”. Dois anúncios completam a página.
A quarta página, também contracapa, contém quatro anúncios e 3 matérias: uma sobre jantar realizada pela Associação de Pais de Fadas da Ciranda J. Simões Netto; outra, relata as atividades do curso de formação de jovens operários na região, e a terceira, sobre metas da Agência de Serviço Social que funcionava em Ipanema.
A partir da análise do material apresentado, pudemos constatar que a fórmula de produção e administração dos jornais assemelha-se muito às características dos atuais jornais de bairro, especialmente aos que pertencem a Associações de Moradores de Bairro, que possuem funções muito semelhantes às descritas em 1954 e 1967.
Destacamos, ainda, que, dentre tantas definições, a mais adequada para este tipo de jornal, bem como para os atuais jornais de bairro, foi a feita por Janowitz, em Os elementos do Urbanismo (1952) , onde destaca diversas características da imprensa comunitária, através de estudo realizado com os jornais de bairro e segmentados de Chicago(EUA) , citados em Dornelles (2000).


Referências
ASSOCIAÇÃO DE JORNAIS DE BAIRRO DE SÃO PAULO. Disponível em: . Acesso em: 13 fev. 2005.

BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica. Rio de Janeiro: Ministério da Educação, 1964.

CRUZ, Gustavo. Consolidação dos jornais de bairro em Porto Alegre. Trabalho de conclusão de curso, monografia apresentada em junho de 2000, no Curso de Jornalismo da Famecos/PUCRS, sob orientação de Beatriz Dornelles.

FONTES, Carlos. Breve história do Brasil. Acesso em: 13 fev. 2005. Disponível em: .

DORNELLES, Beatriz. Imprensa comunitária: jornais de bairro de Porto Alegre. In: HAUSSEN, Doris (org.). Mídia, Imagem & Cultura, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA (FEE). A política social brasileira 1930-1964 – Evolução Institucional no Brasil e no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1983.

JANOWITZ, Morris. Os elementos sociais do urbanismo. 1952. Primeira edição brasileira: Rio de Janeiro: Fórum Editora, 1971.

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